O CULTIVADOR
Usuário que planta maconha em casa mostra o que colheu. Ele diz não apoiar o tráfico
 
   
A elite e os traficantes.
 
G1 - Época                 
Nelito Fernandes, Rafael Pereira e Martha Mendonça
 
Uma pesquisa afirma que são os jovens ricos os que mais usam drogas. Eles são culpados pela violência do tráfico?  
   
Madrugada no morro. Um grupo de policiais ataca de surpresa uma boca de fumo e mata dois traficantes. O Capitão Nascimento pega um dos consumidores pelos cabelos e o obriga a pôr o rosto nos buracos de bala no peito do bandido morto. O rapaz, apavorado, diz que é estudante, na tentativa de se defender.

– Quem matou ele? – pergunta o capitão, aos berros.
– Não sei – responde o rapaz.
– Não sabe? Quem matou ele?
– Vocês, foram vocês!
– Nós? Quem matou ele foi você! A gente vem aqui limpar a m* que você faz!

Não é à toa que essa cena, do filme Tropa de Elite, é uma das que mais chocam os espectadores. Ela toca numa questão crucial do tráfico: a taxa de responsabilidade dos consumidores. Uma pesquisa divulgada na semana passada pela Fundação Getúlio Vargas aponta o dedo para uma parcela da elite. Maconha e cocaína no Brasil são bens de luxo, para a população com maior poder aquisitivo. De acordo com o levantamento, o consumidor-padrão de drogas no Brasil é homem, tem entre 20 e 29 anos, é da classe média alta e mora com os pais. Gasta, em média, R$ 45 por mês com drogas. “Estatisticamente, a visão de Tropa de Elite é correta: quem financia o tráfico é a classe média”, diz o economista Marcelo Neri, coordenador da pesquisa.

Embora ilegal, o tráfico de drogas não infringe outro tipo de lei – a do mercado. Se não houvesse comprador, não haveria venda. O consumidor garante o comércio, mas não é ele quem produz a violência. Drogas são vendidas no mundo todo. Nas ruas de Berlim ou Lisboa traficantes oferecem suas mercadorias para moradores e turistas. Mas vender a droga não implica dominar comunidades inteiras, como os chefões fazem no Rio de Janeiro. “Chegamos a esta situação devido à ausência do Estado nas favelas e também à corrupção policial, que apreende as armas de um traficante e revende para o outro”, diz a socióloga Julita Lemgruber, diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, da Universidade Cândido Mendes.

Culpar o consumidor está em desuso no Brasil. Pela legislação em vigor desde 2006, quem for apanhado consumindo será julgado num juizado especial, não mais criminal. A pena, que antes podia chegar a seis anos de prisão, agora é de prestação de serviços comunitários. O Brasil segue, assim, o pensamento predominante em vários países europeus, como Espanha, Portugal, Bélgica e Alemanha.

Isso não quer dizer que estejamos no caminho certo. Tanto a leniência quanto a linha dura em relação aos consumidores têm resultados contraditórios no mundo. A Holanda liberou o uso de 5 gramas de maconha, que é vendida legalmente em cafés. O consumo de maconha dobrou, mas o de heroína e de outras drogas pesadas caiu. A Holanda tem uma legislação confusa: os coffee shops podem vender a droga, mas não podem comprá-la. “Isso é uma hipocrisia. Existe tráfico de drogas pesadas perto das lojas, então o problema não foi resolvido”, diz o secretário nacional Antidrogas, Paulo Roberto Uchôa.