Foto:Francisco Galvão
 
Pela Porco em Salvador virou praça de guerra.
          Por Maria Rocha
       
      Uma manifestação ocorrida na manhã de ontem na Sete Portas, em frente à antiga Rodoviária, parou o trânsito nas duas vias e um ônibus foi incendiado. Moradores da comunidade da Rua Direta Alto da Esperança – conhecida como Pela Porco – revoltados com a morte de um adolescente, transformaram o local numa verdadeira praça de guerra e clamaram por justiça. O jovem D.J., de apenas 16 anos, foi morto supostamente por policiais militares às 00 hora de ontem, quando retornava do jogo de futebol na quadra do bairro, inaugurada na última sexta-feira.
       Inconformados, grande parte dos moradores interditaram o coletivo e pediram aos cerca de 60 passageiros para descerem do veículo da empresa Expresso Vitória, que estava indo em direção ao Centro, e atearam fogo. Ninguém ficou ferido. Na pista sentido Dois Leões queimaram vários pneus, deixando todo o trânsito engarrafado e coberto por uma fumaça preta.
Durante o protesto, os moradores se confrontaram com a polícia e a dona-de-casa Jaciara Raquel de Jesus Santana, 48 anos, tia do menor, foi atingida nas nádegas por um tiro dado por um dos policiais que estavam isolando as pistas. “É esse o treinamento que estão dando à Polícia, para matar pessoas inocentes” dizia um manifestante. O garoto deixou a mãe e dois irmãos de 14 e quatro anos de idade.
       Completamente transtornada, segurando em uma das mãos o boné do filho, perfurado pelo projétil e na outra a foto dele, a mãe do menor, Dejane de Jesus, 34 anos, não teve condições de ir ao Instituto Médico Legal (IML), para onde o corpo foi levado após a identidade do menor desaparecer. “Meu filho não bebia, não fumava, estudava na Escola Municipal Nossa Senhora das Graças, no Barbalho. Deram tiros nas costas e na cabeça, ele saiu daqui com vida gritando ‘minha mãe’, largaram ele no Hospital Ernesto Simões, morto como indigente, com arma e drogas, ele não usava essas coisas”. Toda a vizinhança do Alto da Esperança estava revoltada e quase em coro dizia que o garoto era do bem, não tinha envolvimento algum com drogas, estudava e era excelente jogador de futebol. As marcas da violência praticada, segundo moradores, pelos policiais da Rondesp na operação da madrugada de ontem, se juntaram às perfurações de operações anteriores. “Olha aqui as casas são atingidas constantemente, todos esses furos nas paredes são as marcas de bala, eles só entram aqui atirando. Nós somos tratados como marginais”, disse uma moradora.
       No chão da rua, as marcas do sangue do menor serviu de rastro para mostrar o trajeto percorrido pelos soldados. Conforme os moradores, D.J. teve as pernas amarradas com a própria camisa e foi arrastado por PMs até a caminhonete. As pessoas que presenciaram a ação, muitas delas escondidas em suas casas, não se cansavam de narrar como o garoto foi judiado. “O último tiro eles deram aqui, onde tem essa poça de sangue, depois D.J. foi arrastado feito bicho e jogado no carro, ele saiu daqui vivo”, narrou a amiga do menor que na hora da invasão estava conversando com a vítima e mais alguns colegas, que receberam o comando dos policiais para correr.
      O representante do Coletivo de Entidades Negras e Conselheiro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Marcos Rezende, esteve no local atendendo ao chamado da comunidade e declarou que esta não é uma ação isolada e este caso soma com os ocorridos em Canabrava, Gamboa, Bairro da Paz e muitos outros, onde jovens inocentes são mortos, vítimas de ações policiais. “Entendo que essa não é uma ação isolada, percebemos uma seqüência de atos que ferem os Direitos Humanos, queremos agilidade para punir os culpados. Estou indo hoje (ontem) a tarde na Defensoria Pública. Esperamos da Secretaria de Justiça (SJ)velocidade para inibir este tipo de atitude de alguns indivíduos e não da corporação. A Secretaria não pode ficar sem dar uma resposta à comunidade”, disse.


Indignação geral da comunidade

       A indignação e a revolta estavam estampadas nos rostos daqueles moradores simples, de um bairro esquecido pela sociedade e marginalizado pelas autoridades. Policiais do Batalhão de Choque participaram da operação que vitimou na morte do adolescente na madrugada de ontem, sob o comando do sargento Antônio. Após a troca de tiros com os supostos bandidos, os três agentes estiveram na 2ª Delegacia de Polícia (Liberdade), onde foi lavrado o auto de resistência.
       Os agentes também encaminharam para a unidade uma arma calibre 38 e drogas que, segundo a polícia, estariam em poder do estudante Dejair. Os agentes ainda contaram no depoimento que foram recebidos a tiros por quatro suspeitos que estariam traficando drogas no Alto da Esperança, invasão do Pela Porco. E durante o suposto tiroteio, um indivíduo que na polícia ainda estava sem identificação teria morrido.
        De acordo com a mãe, o garoto estava portando documentos, relógio e o celular, que misteriosamente desapareceram depois de ser socorrido pelos policiais para o Hospital, onde constava que o jovem morto não tinha identificação. O delegado Kleuber Meneses, titular da 2ª D.P, disse que os três policiais do Batalhão de Choque que participaram da operação serão ouvidos novamente. Assim como as testemunhas e familiares do garoto.
Conforme o delegado, o processo já foi instaurado para investigar o crime. A arma e a droga apreendidas pelos agentes que estariam com o adolescente foram encaminhadas para serem periciados. No entanto, para o delegado, o local é tido como de alto índice de criminalidades e tráfico de drogas e não descarta a possibilidade de envolvimento do garoto com o tráfico de drogas no bairro.
        Para a população, esta ação da polícia não passou de uma armação, plantada pelos agentes para cobrir a besteira que fizeram. O motorista de ônibus João Bonito, 42, representante da associação dos moradores, expressando revolta, disse que tudo foi armado pela polícia. “O jovem morto por eles, era uma pessoa que não tinha nenhum envolvimento com drogas, não possuía armas e jamais esteve envolvido com coisas erradas. É revoltante como a polícia invade o bairro e acha que todo jovem é bandido, merecemos respeito, pois aqui moram também muitas pessoas de bem. E se o garoto não fosse do bem, não estaríamos aqui expressando nossa revolta, chamando atenção da imprensa e das autoridades”, revelou.
          Ao incendiar um ônibus, ontem pela manhã, em represália à morte de um adolescente morador no Alto da Esperança (a ex-invasão do Péla-Porco, atrás da antiga estação rodoviária), a comunidade desvirtuou o que poderia ter sido um vigoroso protesto contra a violência. “Destruindo o patrimônio de uma empresa, os manifestantes reduziram o ato a uma mera ação de vandalismo”, entende o superintendente do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Salvador (Setps), Horácio Brasil.
Para a direção do Setps, não é destruindo ônibus que a comunidade vai reverter um quadro de violência urbana: “Trata-se de uma questão que requer o envolvimento de toda a sociedade organizada”, destaca Brasil, lembrando que as empresas já dão sua parcela de contribuição à segurança da população ao honrar seus convênios com o estado e com o município e pagar os impostos devidos.
          Defendendo a apuração das circunstâncias da morte do adolescente e a consequente punição dos responsáveis, a direção do Setps apela à comunidade que reflita sobre a inconveniência de tentar combater violência com violência. Com dois anos de uso, o ônibus da Expresso Vitória incendiado hoje está avaliado em R$150 mil. (Por Silvana Blesa)

      
 
     
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